quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

NÃO ENSINAR E NÃO APRENDER: UMA REFLEXÃO SOBRE BOLOS, ABOBRINHAS E O ENSINO BÍBLICO NAS IGREJAS EVANGÉLICAS

Não sou alguém dotado de habilidades culinárias extraordinárias, mas nestes últimos dias tenho me aventurado à beira do fogão. Pra isso, troquei inúmeras receitas com amigos e colegas de trabalho, e também procurei na internet vídeo-aulas de culinária, onde as receitas são apresentadas de forma tão clara e simples garantindo, até mesmo a mim, sucesso absoluto em meus projetos gourmet!

Ao saborear alguns pratos, percebi que é possível aprender, de fato, a cozinhar! Mas também refleti como a didática é importante para tal aprendizado, pois não basta ter a receita em mãos! Ao ouvir as explicações pausadas e detalhadas de quem já executou a receita, você adquire conhecimentos imprescindíveis para alcançar seu objetivo! A forma como a receita lhe é exposta faz toda a diferença pra que você aprenda aquele conteúdo e sua atividade culinária não seja frustrada.

Sabendo disso, fiz algumas considerações e gostaria de fazer uma ilustração de como NÃO ENSINAR e NÃO APRENDER a cozinhar. Vamos imaginar que nos inscrevemos para uma aula de culinária, com duração de aproximadamente uma hora e quinze minutos, em que a receita sugerida é a de um bolo de banana com canela.

Ao chegar ao local do evento, você observa a existência de uma estrutura especialmente montada para aquela aula. O ambiente é climatizado, uma cozinha com todos os seus equipamentos e utensílios foi organizada em cima do palco, e as cadeiras dos participantes do curso foram dispostas ao redor deste espaço. Antes de conseguir se acomodar, ainda na porta de entrada, você recebe uma guia com toda a programação, apontando o tema da aula, o tempo de duração e o professor responsável. Também recebe uma caneta e um caderno de receitas personalizado, que têm a função de te animar e torna-lo mais receptivo à aula. Quando você finalmente consegue se sentar, avista de longe o professor que dará a aula. Observe, ele está vestido a caráter: avental, luvas, chapéu de cozinheiro, etc. Ele também tem à disposição  recursos audiovisuais para auxiliá-lo na exposição da aula, e como tem pouco tempo para isso, já trouxe um bolo pronto, para que não haja necessidade de esperar o tempo do bolo no forno. Você continua muito animado! Parece que tudo irá colaborar pra que você aprenda os segredos do melhor bolo de banana com canela do mundo!

Com alguns minutinhos de atraso, o organizador do curso pega o microfone e dá as boas – vindas aos futuros cozinheiros. Salienta que o auditório está lotado, e que esta experiência será de grande valor pra todos ali presentes. Neste momento, ao invés de apresentar o professor e dar-lhe a palavra para iniciar a aula, o organizador convoca ao palco alguns colaboradores do evento responsáveis em apresentar a vocês assuntos sobre os quais você precisa ter conhecimento prévio pra que compreenda melhor o conteúdo que será exposto na aula. Tudo bem! Você acredita que talvez eles irão dizer algo sobre os diferentes tipos de banana, e qual a melhor para aquela receita. Ou, quem sabe, irão indicar uma marca de canela mais suave. Ou, até mesmo, podem tentar explicar porque o forno necessita ser pré-aquecido a 180º antes de colocarmos o bolo para assar. Mas você se surpreende quando, de repente, eles começam a falar sobre como a mãe deles cozinhava bem, ou como a receita de salmão assado mudou a vida deles, ou qual e quando será o próximo curso. E lá se foram 25 minutos da aula...

Finalmente, a palavra é dada ao professor e você aguarda ansiosamente, pra absorver todo aquele conhecimento. A primeira imagem projetada é a de uma casinha no campo. E ele começa a tão esperada aula:
“ – Esta aula irá trazer à sua memória, aquelas lembranças de criança visitando os avós na casa da roça! Quem se lembra daquele bolinho de banana com canela com um cafezinho da vovó?”
O que ele fez? Mexeu com seu emocional. Fez você voltar à infância e reviver, sentir o cheiro do café e o gosto do bolo da vovó! Você se ajeita na cadeira e pensa: “- Esta aula será maravilhosa!” E ele continua:
“- Trataremos aqui de uma receita que todos já conhecem, mas hoje vocês aprenderão segredos importantíssimos no preparo deste bolo, e sairão daqui aptos, inclusive, a ensinar outros como fazê-lo”. Vamos primeiro aos ingredientes:
  • 3 bananas nanicas amassadas
  • 4 xícaras de trigo...

Você tem a receita em mãos, pois está impressa na programação, mas está aguardando as orientações e os “segredos” prometidos a você para que tenha sucesso no aprendizado. É quando o professor faz uma pausa, um suspense e abre um parêntese:

“ – as xícaras correspondem as xícaras de chá, e não de café. Tenho na minha casa xícaras brancas, com filetes dourados que uso especialmente para esta receita. Há pessoas que preferem xícaras estampadas com flores, mas eu não! Flores só mesmo aquelas que plantei nesta semana no meu jardim! Aquelas sim! São lindas... na verdade, seriam lindas porque morreram por falta de água. Afinal, houve falta de água em meu condomínio, pois os moradores não foram conscientes no uso da água, utilizando a piscina diversas vezes e lavando calçadas com mangueiras. É um absurdo! Continuando a receitas:”
  • 3 ovos
  • 1 colher de óleo (se vocês quiserem podem usar azeite também, pois fica uma receita mais leve. E todos nós temos buscado receitas leves ultimamente. Porque a obesidade é um problema grave no nosso país. Tenho uma tia que sofria de obesidade mórbida, e teve muitos problemas de saúde por causa disto. Na verdade, também tenho uma outra tia que sempre foi muito magra, e acabou falecendo antes que esta tia obesa. Porque, como diz aquele ditado...é... como é mesmo? Ah, sim... pra morrer, basta estar vivo!)

O auditório inteiro gargalha ao ouvir as considerações do professor, e neste momento, todos já o elogiam por ser tão carismático. Entretanto, você ainda aguarda ouvir os segredos prometidos por ele no início da aula. E ele segue com a receita:
  • 1 colher de chá de bicarbonato
  • 1 punhado de açúcar
  • 1 pitada de sal
  • 1 colher de sopa cheia de fermento em pó
  • Canela a gosto (quando digo canela a gosto, quero dizer que cada um pode definir a quantidade de canela a ser acrescentada no bolo. Realmente não cabe a mim, determinar qual a quantidade ideal, pois cada um tem um paladar. Não posso desrespeitar isso, pois desrespeito é algo com o que já temos que conviver muito nos dias atuais. As pessoas não respeitam opiniões, opções religiosas, time de futebol. Falando em futebol, e o Flamengo ontem, hein?! Pensei que não fosse dar pra virar, mas nos quarenta e cinco do segundo tempo... conseguimos! Mengão, eô, mengão eô! Quem é flamengo, grita comigo! Mengão, eô, mengão, eô!)

Quando você percebe, todos os participantes do curso estão de pé, pulando e gritando o grito de guerra do Flamengo. Você fica meio confuso, afinal, é uma aula de culinária, e não um jogo de futebol. Mas, finalmente ele acabou de passar os ingredientes, e agora partirá  para o Modo de Fazer, que é a parte  mais interessante e cheia de detalhes importantes. Você dispõe sua caneta para fazer anotações, e ajuda a pedir silêncio aos outros para que a aula continue. Neste momento, o professor olha no relógio e percebe que 40 minutos já se passaram, e ele precisa adiantar a aula para cumprir a proposta de 1h e 15 minutos:

“– O modo de fazer é bem simples! Precisamos misturar todos os ingredientes em uma vasilha... na ordem em que foram escritos... bem... não necessariamente na ordem... uns preferem bater a clara em neve primeira, outros começam pelo trigo. Bem, não há muitas regras para o modo de fazer! Misturamos os ingredientes, untamos a fôrma e colocamos para assar a 200°. Eu trouxe aqui um bolo já pronto, e servirei pra vocês com um cafezinho agora ao final. Mas o mais importante mesmo, é que vocês não desistam de serem bons cozinheiros! Vocês conseguem! Vocês podem! Vocês são capazes! Quantos de vocês acreditavam que estariam aqui hoje? Quantos gostariam de estar aqui no lugar de vocês? Vocês entenderam o recado, agora é só irem pra casa e colocarem em prática tudo que vocês aprenderam hoje! Cozinhar é uma arte!”

Os alunos aplaudem o professor de pé! Alguns até limpam as lágrimas após ouvir tantas palavras de incentivo. Mas você está boquiaberto! Ainda com a caneta na mão... aguardando aprender algo novo, algo útil, algo que o ajude a cozinhar! O organizador do curso novamente toma a palavra, e agradece a todos os participantes pela presença, desejando que todo aquele conteúdo aprendido ali seja utilizado por todos. Ele ainda lembra a vocês, que na próxima semana, haverá outro curso com outro professor famoso, mas desta vez o tema será  Abobrinha recheada. Vocês  não podem perder!

As pessoas começam a sair do recinto, e você tem que fazer o mesmo! Ainda meio confuso você ouve o papo de duas delas que vão caminhando à sua frente:

“– Que aula fantástica! Voltarei na próxima semana, com certeza! O ambiente é muito bom, o organizador e os colaboradores são ótimos e o professor é espetacular!”

Você não compreende muito bem, não suporta se calar, e então pergunta:

“– Desculpe-me, vocês conseguiram aprender a fazer o bolo de banana com canela?”

Elas franzem a testa e respondem:

“– Bolo? Pensamos que a receita de hoje era de abobrinha! Aquela servida em xícaras floridas nas comemorações da vitória do Flamengo, mas que somente obesos podem comer, porque os magros coitados, basta estarem vivos pra morrerem!”

Você dá um sorriso sem graça, despede-se e vai pra casa, procurar em livros de receita ou na internet, alguma aulinha sobre Bolos de banana com canela.

Reflexão: O ensino bíblico em grande parte das comunidades cristãs tem se configurado como este curso de culinária. Inicialmente, grande parte do tempo é gasto com músicas desconexas e de teologia duvidosa, além de textos bíblicos aleatórios e descontextualizados. Quando a palavra é passada ao pregador, que muitas vezes tem postura e indumentária diferenciados, ele lê um texto e começa a fazer considerações que nada tem haver com os versículos bíblicos. Fala de política, de família, de moral, de ética, de ditados populares... Só não fala do texto! E para encerrar, fala algumas frases de auto-ajuda para os cristãos e faz apelo à conversão dos incrédulos. Ao final, na oração para o término, o irmão designado para esta tarefa, agradece ao Senhor pela palavra pregada, e pede que ela encontre terreno fértil nos corações ali presentes.  E os ouvintes, que somos nós, o que fazem? Muitos continuam frequentando as reuniões por hábito, mas nada sabem sobre o que é ensinado, e mantêm-se meninos na fé. Outros, poucos, inconformados, procuram em outras fontes, como livros de autores cristãos e programas de internet algum conteúdo que lhes preencham essa lacuna. O que fazer diante desta realidade tão triste? Já é hora de voltar à Palavra!



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